A disputa pelo funk no mercado internacional
A estética do funk está vendendo mídia fora do Brasil, só esqueceram de nos colocar na conta...
Se você está vendo o funk se tornar destaque em diversos portais estrangeiros, saiba que não é coincidência. Esse produto nacional está sendo visado e estrategicamente posicionado como ferramenta de marketing para alavancar o status de veículos, empresas e marcas como “formadores de opinião”. Isso é sobre música, mas também é sobre moda, comportamento e diálogo entre o que soa novo. Mas e o artista brasileiro? Onde fica o MC nessa história? Antes da resposta, aproveite para se inscrever e não perder nossos textos:

Houve um tempo (4 anos atrás) em que a Lacoste resistia em incluir o funk dentro do seu posicionamento, mesmo o crocodilo estando presente no imaginário e vestuário do estilo musical. Nessa época, a marca colocou o cantor Jão em uma campanha. Não demorou para que essa #putasacada publicitária caísse no coliseu virtual e a própria Lacoste repensasse a forma como é vista e consumida pelo brasileiro. Em 2023 a marca já aparecia comemorando o “Lalá 90 anos” trazendo Mc Hariel como embaixador e show de Mc Luanna, Vulgo FK e Dj Arana.
Podemos entender a presente difusão do funk dentro da mídia através de um complexo processo de resistência, transformação e adequação. De Faixa de Gaza de Mc. Orelha até o funk de Guimê, Dubdogz e Emicida para a Copa do Mundo, foram 6 anos. E desde o 7x1, temos 11 anos até o Oruam ser capa da Dazed. E perceba que este último nem é um artista majoritariamente de funk, mesmo que a mídia e figuras da extrema-direita o enquadrem como tal.
Mas o foco não é no embate e domesticação da cultura periférica para consumo médio dentro do Brasil, mas sim na forma como a visão criativa nascida e produzida dentro das favelas está sendo explorada pelo mercado ocidental. Não é de surpreender que DJ K esteja recebendo uma boa nota dentro da Pitchfork. O olhar está direcionado para uma leitura fetichista de nosso mercado.
Nesse ponto, não há espaço para um Guimê cantar sobre o desempenho do Menino Ney em cima de beats da EDM mais genérica do planeta. O encanto está naquilo que rompe com a moralidade para nós, mas que reforça a fantasiosa realidade terceiro-mundista deles. Se estivéssemos no México, esse seria o nosso filtro amarelado.
O funk chega no hemisfério norte como novidade pelo efeito que causa no imaginário. E da mesma forma, começa a ser trabalhado por artistas e produtores que, no máximo de contato com a nossa cultura, chegaram a roubar algum pendrive em alguma festa por aqui. E o efeito de impacto é tremendo porque estamos falando de um universo criativo estruturado através do isolamento marginal. Um ecossistema próprio em tempos que a novidade é escassa.
O destaque que o Mandelão vem tendo faz parte dessa lógica. Os subgêneros do funk que buscaram permanecer dentro dos bailes de favela criaram resistências naturais contra o funk mercadológico, seja na estética, ou na própria lógica de produção, mixagem e consumo. Ou seja, opera justamente no atrativo que algum estadunidense vai chamar de “exótico”.
Se por um lado, o Brasil se mostra cada vez mais como polo criativo para a música, arte e moda, ainda temos resistência em nos enxergar dessa forma e, pior, ainda temos um desfalque enorme em estruturar e buscar investimento direto para essa consolidação. E sim, já escrevemos sobre isso aqui.
Ninguém é ingênuo de pensar que a Dazed não sabia que a polêmica em torno de Oruam era parte fundamental de sua escolha como capa. Assim como ninguém duvida que o funk está sendo utilizado para posicionar; seja pela irreverência, ou pela construção criativa ousada. No final, a revista tá mais interessada em ser usada por um executivo para exemplificar o que ele deseja no próximo lançamento de fulano ou ciclano.
E enquanto o Brasil estiver ocupado discutindo a Lei Oruam, o canhão bloqueador de baile funk e outros tantos espantalhos da direita histérica, teremos uma matéria na NME, uma review de um álbum na Pitchfork, ou uma capa na Dazed sendo mais lembradas ou referenciadas do que carreiras inteiras de MCs que diariamente lutam por um palco para cantar.
Cultura real e crua vem do marginal, não tem dúvida nisso, talvez a escassez de 'novo' no mundo seja justamente por essa corrente de neoliberalismo que sufoca o pequeno em função do corporativo, e no processo se infiltra em toda comunidade do mundo em busca de cliente.
Brasil tem que mudar e muito o que entende sobre o funk. Concordo totalmente.
Excelente artigo, sempre com um trabalho impecável!