Newsletter da 300Noise #5 - um maio da positividade
os nossos resultados após um mês falando só bem das coisas
Ter uma ideia pode ser uma ótima ou uma péssima… ideia. O ser humano, naturalmente, tende a tê-las quando está em apuros. E foi pensando nisso que esta edição da newsletter mensal da 300Noise foi concebida.
Neste mês, experimentamos com o Mês da Positividade™ no Instagram para ver se o algoritmo prioriza conteúdos mais good vibes, visando aumentar o nosso crescimento na rede maldita. Simultaneamente, o mês começou com uma vibe good causada pelo show da Lady Gaga no Rio de Janeiro. Esta ideia de Eduardo Paes virou um negócio milionário e ameaçou São Paulo, que ficou visivelmente ameaçada pela consolidação de Copacabana como um palco para o mundo. Então, Ricardo Nunes teve uma boa ideia: performar necromancia e reviver a Virada Cultural.
E são das ideias que surgem incríveis discos, como os que abordaremos ao fim desta newsletter. Declaramos oficialmente que o mês da positividade acabou e, para você que ama o ódio, estamos matutando ideias para poder voltar a criticar com classe o que merece ser criticado e analisar com profundidade o que merece ser analisado. Mas ter ideias custa caro e, por isso, pedimos seu apoio:
Os resultados do mês da positividade da 300Noise
Como sabem, realizamos um experimento social dentro do Instagram durante o mês de maio e fizemos apenas postagens tecendo elogios e falando bem das coisas. O Motivo? Acreditamos que o algoritmo não é tão fã de posições extremamente críticas e que o mercado musical brasileiro opera blindando plataformas, criadores e portais que ousam discordar de seu funcionamento, suas escolhas, suas curadorias, ou até mesmo, sua visão de mercado.
Nos comprometemos a monitorar diariamente a movimentação do nosso Instagram e colher dados para criar comparativos entre um mês convencional da 300noise e o mês da positividade. Com isso, pudemos testar nossas hipóteses e estudar o funcionamento do conteúdo dentro da plataforma. Uma decisão que, diga-se de passagem, tínhamos plena consciência que poderia afetar e desgastar nossa própria imagem perante nossa comunidade de seguidores e o próprio mercado (afinal, uma parte considerável do nosso público trabalha no setor, mas fiquem tranquilos, seus dados estão seguros com a gente).
Para simplificar, vamos dividir nossas impressões em três blocos distintos.
O Instagram e seu implacável algoritmo
Durante o mês da positividade, nosso conteúdo começou a circular mais entre nossos próprios seguidores do que não-seguidores e tivemos um crescimento de 8,9% nas visitas de nossa página. No caso da 300noise, esse é um cenário atípico, visto que uma das lógicas que utilizamos é a de um conteúdo compartilhável (ou shareable para quem está lendo isso enquanto come pizza fria em uma agência publicitária).
E isso é explicado por um dos maiores pontos desse nosso experimento: elogios não são interessantes para virarem um repost de stories (nosso alcance foi 28% menor durante o mês de maio). Não só tivemos dificuldade para atrair novas pessoas, como também ganhamos menos seguidores do que o usual (nosso crescimento foi 14% menor em maio).
Onde não há ódio, semeie ele você mesmo
Por mais que nosso conteúdo não tenha sido interessante ou crítico o suficiente para ser compartilhado, ele despertou no leitor uma reação involuntária: comentar. Sim, quando nos deparamos com um conteúdo muito positivo, é quase um dever moral apontar o outro lado da moeda. Pessoas reclamam o tempo todo sobre todos os tipos de coisas e na música não seria diferente. A interação com o nosso conteúdo cresceu em 85%.
Horário das bandas no festival, lineup, itens proibidos, banda de abertura. É difícil, ou melhor, impossível, atingir a perfeição. Mas quando trabalhamos esses produtos e eventos culturais dentro da positividade, sem contrapor os tópicos que claramente discordamos — o DRAGÃO DO THE TOWN —, recebemos o hate dos nossos próprios leitores. Mas além disso...
Elogio ou propaganda?
Nossos conteúdos positivos foram alvo de críticas, pontos de vista diferentes e também de um questionamento central: vocês foram patrocinados? É publi? Fecharam parceria? A positividade, quando está inserida em conteúdo virtual de maneira forçada (ou paga) é facilmente compreendida pelo usuário. E bom, vamos ser sinceros, tivemos propostas de parcerias durante o experimento.
No mercado da música, sabemos que muito conteúdo não chega a ser “publicidade não informada”, mas sim uma prática de boa vizinhança pensando que o poder de influência determina o próprio filtro do que é ou não é publicado. O quão grande e influente você precisa ser para escrever com honestidade sem que isso se transforme em uma recusa na sua cobertura de um evento? O quão estabelecido você precisa ser para segurar clientes?
Esse comportamento para blindar críticas e projetar um inexistente mercado de maravilhas acaba também barrando aperfeiçoamentos sistemáticos, seja em uma curadoria que não pensa em diversidade ou não se reinventa, seja na presença exaustiva de artistas x, y e z dentro de um circuito que possui dezenas de vozes potentes, mas desconhecidas.
O mês da negatividade da 300Noise
Não precisamos de um mês recheado de pessimismo e muito menos insistir na ideia de blindar uma indústria para crescer dentro dela (ou pelo menos não perder oportunidades, como já tivemos conhecimento). Nosso posicionamento segue firme e forte e acreditamos que críticas são excelentes para o crescimento e desenvolvimento da criatividade, dos negócios e da das políticas públicas de cultura. Da mesma maneira, também pretendemos entregar conteúdos elogiosos para aquilo que acreditamos e atestamos. Enfim, fato é que trabalhamos duro no que vocês podem chamar de “selo de qualidade 300Noise” (nota do editor: não inventamos esse termo). Afinal, já perdemos muitas oportunidades para manter ele e disso a gente não abre mão.
A contraofensiva paulista ao Gagacabana
Talvez seja inevitável passar esse mês sem falar sobre a Virada Cultural e como o evento, quase em estado de decomposição, foi reanimado aos 45 do segundo tempo e conseguiu, na medida do possível, fazer jus ao seu nome.
A Virada, um dos maiores eventos culturais da América Latina, só aconteceu dessa forma por um único motivo: Lady Gaga em Copacabana. Segue a leitura para entender esse processo.
Houve um tempo em que metrôs funcionavam até 1h da manhã, que programações de música eletrônica tomavam as ruas do centro (SP Na Rua) e que a Virada Cultural utilizava a logística dos palcos para conectar avenidas, ruas, praças e pessoas. A virada de chave? Pandemia, que também coincidia com uma visão retrógrada da cultura e do investimento nesse setor, como pudemos perceber em São Paulo com João Dória, o “gestor” da “economia criativa” se transformando em Bolsodória.
Não é que Dória tenha desistido de princípios e visões de mundo sobre a cultura, mas que o mercado e o núcleo de seus eleitores estavam anestesiados e convertidos a uma retórica conservadora de divisão cultural. Mas honestamente...
Não dá nem para cravar que o bolsonarismo foi a última pedra jogada no caixão da Virada Cultural como conhecíamos. Esse processo teve influência de três (ou quatro) fatores:
Abandono generalizado do centro de São Paulo e ineficiência (ou desejo inerente) do poder público para tratar da segurança, desenvolvimento de pequenos comércios, limpeza ou criação de centros de acolhimento.
Ideologia ultraliberal para tratar do “gasto com cultura” e um olhar estritamente mercadológico para o planejamento do evento.
Sucateamento e informalização do setor cultural e dos profissionais técnicos, executivos e criativos.
Posicionamento de programações culturais do setor privado (privatização do Anhangabaú, Autódromo, Anhembi, por exemplo).
E com todo esse contexto em mente, chegamos ao ano de 2023 com a volta de uma centro-esquerda no executivo e com um contrato milionário para um banco trazer Madonna para as areias de Copacabana no ano seguinte. Cenário que certamente movimentaria o setor hoteleiro da cidade, o comércio local e, para agradar os publicitários que nos leem, o branding da cidade. Não é difícil entender que o saldo é muito além do positivo e que, no embalo da nostalgia de um Stones, a prefeitura poderia incluir um novo chamariz em seu calendário.
Com Madonna, temos um impacto econômico de 469 milhões, com Gaga, 600 milhões. O público cresceu, o setor hoteleiro abarrotou. E São Paulo assistiu de longe enquanto era cobrado pela enxurrada de dados e métricas das redes sobre seu grande evento anual de cultura, aquele que coloca o dobro do público de Copacabana circulando entre shows.
E faltava só um mês para a Virada Cultural. Com anúncios em cima da hora, com muita mudança de hora, local e nomes de atrações, o evento retornou com mais vida (e programação) na região central. Buscando se posicionar nesse já nem tão novo cenário de políticas público-privadas, a prefeitura ainda derrapa na forma como entrega seu evento. Não é difícil imaginar uma reunião de emergência logo após Lady Gaga sair do palco ao som de Bad Romance. Um “e agora, José?” digno de se vira nos trinta.
E com isso tivemos
Uma programação saindo praticamente na semana do evento.
Palcos desconexos e programações que, por vezes, não dialogavam entre si.
Um gasto de no mínimo R$ 60 milhões que não reflete tanto na quantidade e variedade dos artistas.
Um embate entre palcos do centro e programação das bordas da cidade.
Talvez o êxito dessa Virada, ou melhor, o resgate do ostracismo, tenha uma conexão ainda mais profunda com Gagacabana, afinal, quantos teriam saído de casa para viver algo similar àquela experiência?
Bom, essa não foi uma questão abordada pelas pesquisas feitas para entregarem números bonitos. Ano que vem, talvez, com mais planejamento, dê para cravar que São Paulo está no jogo.
Saia de algum lugar e vá fazer alguma coisa, como por exemplo…
Conferir o festival In-Edit
Para você que mora em São Paulo e aprecia documentários e música, não deixe de conferir a programação do In-Edit, festival Internacional do Documentário Musical.
A curadoria é incrível e é uma das poucas chances que você acaba tendo de assistir muita coisa legal e de difícil acesso nas plataformas convencionais (e também na pirataria).
Você poderá ver:
It Was All A Dream, com imagens de arquivo que revelam os bastidores da ascenção do hip hop norte-americano em seu momento de consolidação.
Butthole Surfers: The Hole Truth and Nothing Butt, um retrato caótico e irreverente da banda que desafiou os padrões do rock alternativo.
We Are Fugazi, From Washington DC, que escancara a energia bruta dos shows da lendária banda Fugazi, captada por registros dos próprios fãs.
Nteregu, que mostra a força da música como elo entre gerações na Guiné-Bissau, com protagonismo feminino.
O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas (2000), de Marcelo Luna e Paulo Caldas, sobre a história de Helinho e Garnizé (membro da banda de rap Faces do Subúrbio e líder comunitário).
Veraneio: Uma Antologia Negra, celebração do legado de Seu Osvaldo Pereira, o primeiro discotecário do Brasil, e os discotecários Dinho Pereira (seu filho) e Jean Pereira (seu neto).
A edição de 2025 acontecerá em São Paulo, de 11 a 22 de junho. Veja a programação completa e as salas no site oficial.
Ouvir a playlist de shoegaze Sul-Americano da 300Noise:
Hora da publi:
A 300Noise fez uma nova impressão da zine DESIGN MUSICAL DO BRASIL.
Restam pouquíssimas cópias físicas do projeto gráfico que celebra e preserva logos de selos e gravadoras do Brasil durante o século passado.
Nosso projeto envolveu busca por endereços desativados, digitalização de artes diretamente de discos de vinil e a descoberta de muito material perdido no fundo de sebos e armazéns.
Você pode pedir a sua por aqui!
Claro, disponibilizamos a versão digital em nosso site para você dar uma checada e compartilhar com geral.
E se você não sabe, a 300Noise tem uma loja com nossos inacreditáveis merchs:
Por último, os sons
Mateus Aleluia - ST
Álbum novo de um dos grandes mestres da música brasileira traz 12 músicas inéditas distribuídas em 6 faixas mais longas. Produção incrível do Tadeu Mascarenhas, o álbum tem um clima calmo mas ao mesmo tempo profundo e complexo.
MIKE e Tony Seltzer - Pinball II
Segunda parte da colaboração entre MIKE e Tony Seltzer é bem mais direto que a primeira parte. Músicas que passam pelo trap, novas tendências do rap conteporâneo e momentos interessantes de experimentação.
Luiz Barata - Pragas Urbanas
Criativo, diferente e divertido. Não vou explicar a piada, mas é um álbum que consegue fugir das formulas consolidadas do RAP nacional, NÃO MATEM AS BARATAS
Stereolab - Instant Holograms On Metal Film
Longe de ser a melhor coisa que a banda lançou, ficou mais puxado para um rockzinho suave do que necessariamente algo mais jazz e experimental, o álbum ainda assim é legalzinho de ouvir.
Luedji Luna - Um mar para cada um
A sempre aquática Luedji Luna entrega um arrojado disco embebido no jazz que aborda novos temas e revisita ideias de Bom Mesmo é Estar Debaixo D’água. É uma pedrada.
Jadsa – Big Buraco
Um segundo disco cheio de cores e camadas, letras interessantíssimas e arranjos finíssimos com uma cozinha chique que brilha até nos momentos de respiro. Para quem conhece o trabalho de Jadsa, uma surpresa, para quem ainda não ouviu, uma belezura e um disco que vai acabar aparecendo em diversas listas de melhores do ano.
Model/Actriz – Pirouette
Após um disco de estreia que impressionou a crítica e jogou holofotes na banda pela mistura eficaz entre o noise rock, o industrial e a música eletrônica, o grupo apresenta um álbum muito mais pessoal. Com letras íntimas e um universo queer que aborda desde a vontade de ter uma festa de 5 anos com temática de Cinderela até encarnação por figuras bíblicas com saias e saltos plataforma. Mais melódico, mais denso, mais sensual, talvez. Ouça!
Perguntas da comunidade
Parte reservada para críticas, ideias, dúvidas e tudo mais. Abrimos uma caixinha no Instagram esse mês, mas vocês podem mandar por aqui, por e-mail, por DM. Fiquem a vontade!
“Como faz para colaborar com um textinho para essa equipe maneira?”
Vamos aproveitar a pergunta para responder que sim, nós estamos abertos para colaborações. Tem um tema ou um texto que acha ser a nossa cara? Pode mandar para o 300noise@gmail.com ou chamar na DM para a gente conversar. (inclusive, me chama pra falar sobre essa colab).
“Máximo respeito pro trampo de vocês! Acho que trazer uns audiovisuais seria zika s2”
Está em nosso planejamento! O problema é sempre o tempo e a quantidade infinita de ideias malucas que a gente acaba se envolvendo no meio do processo. Mas, se tudo der certo, em breve teremos um conteúdo bacaníssimo em vídeo.
“Seria legal umas cápsulas de sugestão de discos para escutar”
Estamos pensando em como entregar essas dicas de discos da melhor forma. Quem sabe em reels? Aqui no substack, talvez? vamos pensar!
“Falem mais sobre a equipe de vocês!!”
A teoria de que a 300Noise é um grupo de pessoas muito influentes dentro da indústria da música que usam o anonimato para propagar visões críticas sobre o próprio ambiente de trabalho vai morrer se fizermos isso!!! Brincadeira ;)
Temos uma equipe com profissionais de diversas áreas. Temos professores, jornalistas, cientistas sociais, artistas visuais (tem arte delas nas nossas roupas, compre!), publicitários (infelizmente) e até mesmo um #cara do #T.I. que está dando um capricho no nosso site www.300noise.com.br se você ainda não conhece, dá um confere!
Nota do editor: Uma última, última publi, do editor desta newsletter. O nome dele é Yuri Ferreira. É o “jornalistas e cientistas sociais” da equipe supracitada e está escrevendo em terceira pessoa. Ele tem uma newsletter de Política Internacional chamada o mundo está uma loucura. É aqui no substack. Ele recomenda a leitura. Eu também. Um abraço!
Tchau!