Newsletter da 300noise - Janeiro de 2025, ano oficial da doidera
É com todo carinho que te recebemos para a nossa primeira newsletter. Tem artigos, álbuns recomendados, dicas literárias, David Lynch e muito mais, juramos.
Editorial - 2025, ano oficial da doideira
Caros leitores,
É com muito carinho que recebemos suas inscrições e, com o mesmo carinho, apresentamos nossa primeira newsletter. Acreditamos que este formato será uma maneira bacana de compartilhar ainda mais do que pensamos e produzimos aqui no nosso estúdio de ideias.
Além de textos mais aprofundados e reflexões, a ideia é trazer curadorias, indicações, recomendações, agendas e tudo o que for necessário para acompanhar a trilha sonora de um ano que promete ser maluco — além de escapar um pouco das amarras dos algoritmos.
2025 será um ano em que as ideias serão mais essenciais do que nunca. Já apresentamos nossas tendências para o período em um exercício de futurologia, mas há muito mais a ser explorado e discutido. Com modelos de festivais em crise, cortes de investimentos em cultura, preparações para o ano eleitoral de 2026, Donald Trump de volta à Casa Branca e outros desafios bizarros da criptodistopia em que vivemos, estamos trabalhando duro para entender, de maneira mais profunda, o que está acontecendo no mundo.
Em meio a toda essa doideira, as trilhas sonoras que todos nós estamos escutando podem ser ferramentas para reflexão, rebeldia ou até mesmo desconexão. De qualquer forma, elas carregam significado — tanto para o mundo, quanto para nós, quanto para você.
Esperamos que gostem deste esboço ainda em construção e, claro, convidamos vocês a apresentar críticas, sugestões e pitacos. Por fim, também vale considerar nossa assinatura premium, que disponibilizará ainda mais ideias, pesquisas e tudo o mais que surgir neste estúdio durante o ano de 2025.
Um abraço da equipe 300 e boa leitura.
Ah, é, não esquece:
A volta do Oasis e a insurgência da sonoridade de garagem
Os irmãos Gallagher (até o presente momento) estão em situação de “camiseta da amizade”. Mas isso não significa apenas que estádios vão ouvir Wonderwall com vocais fora do tom, mas também que o britpop entrou novamente no radar — não somente no campo da reprodução sonora ou da estética visual e fashion. Um fator importante pode estar entrando em campo contra o uso de inteligência artificial, a pasteurização sonora e a fuga das plataformas.
Frantz Fanon diz que “cada geração deve, a partir de uma relativa obscuridade, descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la.” E a nova geração de bandas alternativas encara o conflito em seu ponto ômega. É possível vencer a guerra contra os direcionamentos do streaming (que permite uma avalanche de conteúdos feitos com inteligência artificial, injeta dinheiro em eventos da extrema direita e bloqueia pagamentos de microartistas)? Ou, quem sabe, a melhor solução seja aplicar as regras do jogo e investir em métricas, recursos robotizados e automatizações no processo de composição, gravação e mixagem?
E como o britpop se conecta com isso?
Não só podemos ver bandas se inclinando para essa sonoridade, como o Fontaines D.C. em seu último álbum, Romance, mas também uma possível crise em um nicho da música alternativa apelidado de Windmill Scene, ou “revival do post-punk”. Um balaio que comporta desde Idles até Black Country, New Road. Uma confusão sonora, claro, mas uma confusão que acompanha a velocidade virtual do consumo musical e não pode se dar ao luxo de repetir uma fórmula por três álbuns seguidos sem cair no esquecimento do próprio público.
No caso do Fontaines D.C., a sonoridade não só foi guiada para um campo mais palatável, como também para influências um pouco diferentes (alguns podem até enxergar um pouco de Oasis nesse caldeirão). O resultado? O número de ouvintes não só dobrou desde o lançamento do último álbum, Skinty Fia (2022), como também permitiu a realização de um show em um castelo.
Fato é que as novas influências sonoras podem tirar o post-punk da jogada no mesmo processo que a Inglaterra sofreu ao entrar nos anos 1990. O post-punk do thatcherismo se converteu em um britpop do conservadorismo de John Major, buscando afirmação de identidade cultural, orgulho nacional e uma alta dose de escapismo durante o momento de criação da União Europeia. E, claro, todo esse movimento foi cooptado pelo Partido Trabalhista, que volta ao poder em 1997, quando o britpop começa a declinar.
Em 2025, os trabalhistas estão novamente no poder, mas o escapismo e a desesperança de um futuro (seja ele qual for) já não existem. E, nesse clima, uma banda, mais do que nunca, precisa ser uma banda. Se a inteligência artificial entrega ferramentas para otimizar gravações, inserir instrumentos e criar padrões rítmicos, faltam wonderwalls desafinados, guitarras com interferências e palhetadas fora do tempo. Tudo isso sem abandonar refrões chiclete, uma boa dose fashionista e a reativação de sex symbols duvidosos. Não é só a Teen Vogue que vai estar colocando matérias progressistas para entusiasmar ideias marxistas e contravenção, mas também artistas cansados das redes, encarnando personas pitorescas e polêmicas para um público que clama por humanidade. Afinal, não existe nada mais Oasis do que dizer que você está cagando para a volta do Oasis.
“Keep your eye on the donut and not on the hole“
Janeiro de 2025 será lembrado como um mês de profunda tristeza para o mundo da arte e da cultura. No dia 15, o cineasta, artista visual e músico, David Lynch, faleceu, apenas dois dias antes de completar 79 anos. Sua morte ocorreu em um momento já marcado pela comoção global, poucos dias após os devastadores incêndios que assolaram Los Angeles, cidade que serviu de cenário e inspiração para muitas de suas obras enigmáticas e surrealistas. Lynch, conhecido por sua capacidade de explorar o subconsciente e o desconhecido, deixou um legado que transcende não só para o cinema, mas para a música e as artes visuais.
David Lynch sempre teve uma relação íntima com a música, colaborando com alguns dos nomes mais icônicos da indústria. Sua parceria com o compositor Angelo Badalamenti, por exemplo, resultou em algumas das trilhas sonoras mais elogiadas da história do cinema e da televisão. As notas melancólicas e atmosféricas de Badalamenti, guiadas pela visão de Lynch, criaram um uma paisagem sonora tão icônica quanto as cenas que acompanhavam.
Julee Cruise, com sua voz etérea, foi parte essencial dessa equação. Lynch e Badalamenti escreveram para ela canções como Falling e The Nightingale, que se tornaram temas de Twin Peaks. Cruise não apenas gravou essas músicas, mas também apareceu na série, performando no Bang Bang Bar (ou Roadhouse). Seu álbum Floating into the Night (1989), composto em grande parte por Lynch e Badalamenti, é um marco da música dream pop e uma extensão do universo sonoro de Twin Peaks.
Além disso, Lynch não se limitou a colaborar com músicos; ele também mergulhou diretamente na criação musical. Seus álbuns Crazy Clown Time (2011) e The Big Dream (2013), possuem canções que ecoam o mesmo tom sombrio e introspectivo de seus filmes. Sua voz sussurrante e as batidas hipnóticas transportam o ouvinte para um mundo que só ele poderia criar, um mundo onde o familiar e o estranho se entrelaçam de maneira inquietante.
A música também desempenhou um papel central em suas obras cinematográficas. Em Blue Velvet (1986), a canção-título, interpretada por Bobby Vinton, ganhou uma nova camada de significado sob a direção de Lynch, tornando-se um símbolo de beleza e terror. Em Mulholland Drive (2001), a cena do Club Silencio, onde Rebekah Del Rio interpreta Llorando, é um dos momentos mais emocionantes e surrealistas da carreira de Lynch, mostrando como a música pode transcender a narrativa. E o Club Silencio existe também na vida real com design feito pelo próprio Lynch e inspirado pela cena do filme. A casa noturna está localizada em Paris, França, e existe desde 2011.
Lynch também deixou sua marca como diretor de videoclipes, trazendo sua estética única para o formato. Um dos exemplos mais notáveis é o clipe de Wicked Game, de Chris Isaak, cuja atmosfera onírica e sensual captura perfeitamente a essência da música. Isaak, aliás, teve uma participação especial em Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992), interpretando o agente especial Chester Desmond. Outro ícone da música que cruzou o caminho de Lynch foi David Bowie, que apareceu em Twin Peaks: Fire Walk with Me como o agente Phillip Jeffries, entregando uma atuação tão enigmática quanto sua própria persona artística.
A terceira temporada de Twin Peaks, intitulada The Return (2017), trouxe a música para o centro do palco de uma maneira ainda mais impactante. Cada episódio era encerrado com uma performance ao vivo no Bang Bang Bar. Artistas como Nine Inch Nails, Chromatics, Sharon Van Etten e Eddie Vedder se apresentaram, criando momentos que brincam com a linha entre a realidade e o sonho.
Artistas de diversos gêneros encontraram inspiração em seu trabalho, explorando a sonoridade e identidade do universo lynchiano, como o Xiu Xiu, que lançou um álbum inteiro inspirado em Twin Peaks, e Sky Ferreira, cuja música Downhill Lullaby carrega uma atmosfera sombria e introspectiva que remete ao estilo de Lynch. Flying Lotus, produtor experimental, também se conectou profundamente ao universo de Lynch. Seu single Garmonbozia (2024) é uma homenagem direta a Twin Peaks. O título refere-se à substância que representa "dor e sofrimento" na mitologia da série, frequentemente visualizada como creme de milho.
A morte de David Lynch não apenas encerrou uma era, mas também nos lembrou da fragilidade da vida e da arte. Em um momento em que Los Angeles ainda se recuperava dos incêndios que destruíram parte de sua paisagem física e cultural, a perda de Lynch parece um golpe final contra o que sobrou da tal cidade dos sonhos.
Dicas de leitura
Desligue a televisão e vá ler um livro.
Radical Records – Uma enciclopédia da música independente e lutas por libertação
No meio de muita coisa bacana, como amantes de música, não podemos deixar de recomendar um dos últimos lançamentos da Sobinfluência. Claro que estamos falando de Radical Records – Uma enciclopédia da música independente e lutas por libertação. O livro é uma enciclopédia agrega gravadoras vinculadas à partidos, passando pelas associadas a movimentos de libertação da África, Ásia e América Latina e por iniciativas fundadas por jovens sob uma ética mais cooperativa, contrária à indústria musical e aliada a movimentos de resistência. Projeto lindo que vai fazer você perder dias descobrindo bandas incríveis.
Ghost Music – Inside Spotify’s fake artist scheme
Se você acompanhou nosso podcast sobre os artistas fantasmas no spotify, você precisa ler a edição da revista Harpers sobre o tema. A jornalista Liz Pelly está investigando esse mundo do streaming musical, trabalho que já rendeu até livro. Dê um pulo aqui, você não vai se arrepender. Dá uma olhada.
Zine Design Musical do Brasil ─ 2ª edição
A 300noise fez uma nova impressão da zine DESIGN MUSICAL DO BRASIL.
São 50 cópias físicas do projeto gráfico que celebra e preserva logos de selos e gravadoras do Brasil durante o século passado. Nosso projeto envolveu busca por endereços desativados, digitalização de artes diretamente de discos de vinil e a descoberta de muito material perdido no fundo de sebos e armazéns.
Você pode pedir a sua por aqui!
Claro, disponibilizamos a versão digital em nosso site para você dar uma checada e compartilhar com geral.
De olho no mercado
Recentemente a Boiler Room, projeto londrino de referência na cena eletrônica, lançou seu report sobre o público de suas festas. Recomendamos a leitura para sacar a visão da cultura clubber sobre construção de comunidades, hábitos, tecnologia e visão do futuro. Você pode ler aqui.
Por último, os sons
Playlist ─ Persigo São Paulo
ANTES das reviews, poucos documentos históricos contam a vida de São Paulo tão bem quanto a música.
Da São Bento ao Viaduto Santa Ifigênia, da Ponte pra lá e além, a cidade é um universo inteiro de constelações musicais.
Criamos um pequeno guia pela história da maior metrópole da América do Sul para você também perseguir São Paulo. Vem ouvir!
FKA Twigs - Eusexua
Um trabalho que passeia muito bem entre batidas de techno, house, garage e drum’n’bass. Com transições surpreendentes e uma produção cheia de detalhes, o álbum une o experimental ao pop, mantendo uma pegada eletrônica que vai do introspectivo ao explosivo. Aquele disco que você sabe que vai dar o que falar e que rendeu uma nota 9.1 na pitchfork (se é que isso significa alguma coisa em pleno 2025).
DJ Dengue – Estilo (mais) Duro
Se você prestou atenção em nossa lista de melhores do ano, sabe que ouvir esse álbum é obrigatório. Se não viu nossa lista, chega mais.
Ethel Cain – Pervert
Um álbum que mergulha profundamente no drone, com texturas ambientes densas e prolongadas que criam uma atmosfera opressiva e introspectiva. Um álbum que vai arremessar os fãs da cantora em uma zona de extremo desconforto.
Cóclea / Canut de Bon - No esperan por nadie
Split de bandas chilenas que estão movimentando a cena de post-hc sulamericana. Trabalho que pressiona o ouvinte e cativa com a versatilidade e dinamismo. A produção só acrescenta na estética.
BaianaSystem - O mundo dá voltas
Com um arsenal de participações, muito ritmo e letras afiadas, o BaianaSystem volta depois de 4 anos com um trabalho que mantém o projeto em relevância e acaba deixando o público naquele clima de carnaval eterno.
Prostitute - Attempted Martyr
Forte concorrente aos melhores do ano. Que estreia! Barulheira esotérica e raivosa que viaja intensamente entre ritmos e texturas surrealistas do Oriente Médio. O disco é dedicado ao Líbano e carrega um forte teor político. Para fãs de Chat Pile e The Jesus Lizard.
KOMPROMAT - PLДYING / PRДYING
Colaboração do DJ e produtor Vitalic e da vocalista Rebeka Warrior. Um segundo disco intenso, marcado pelos graves técnicos e pelo brilho gelado dos teclados e sintetizadores. Sombrio e emotivo, feito para as pistas de dança mais escuras possíveis.
Melly - Amarrísma
Nascido já como um clássico do R&B/Soul brasileiro, Melly entrega paixão, ciúmes, energia, sensualidade e muito carisma neste álbum de estreia. Apesar de nova, Melly já mostra muita personalidade, misturando samba, reggae e ijexá de uma maneira linda de se experienciar. Tudo neste álbum beira a perfeição. Vá logo escutar, principalmente se você estiver apaixonado.
Ghostface Killah - Supreme Clientele
Segundo álbum de um dos membros mais icônicos do Wu-Tang Clan. O que chama a atenção neste trabalho é o intrincado trabalho do RZA na produção, rearranjando samples de variados produtores, inclusive do barbeiro do Ghostface, deixando os samples e as batidas mais brilhantes e menos sombrias do que nos trabalhos anteriores. Essa combinação, junto ao característico ritmo fluido do Ghostface e suas criativas rimas, torna este álbum essencial para ser revisitado.
E por fim…
Agradecemos a sua presença e leitura ao longo desta primeira edição da newsletter da 300noise. Convidamos, claro, sempre a se inscrever. Por aqui, soltaremos diversos conteúdos premium, mais aprofundados e com mais carinho. O primeiro passo é se inscrever:
Um abraço da equipe de 300noise e até breve. Em vídeo, provavelmente! Fiquem atentos.
Conhece nossa loja?
Outra forma de ajudar a 300noise é dando um pulo na nossa lojinha! Temos uma coleção que conversa muito com a sensação de desgaste das redes. Afinal, temos que ser um pouco cronicamente offline.
O livro da Radical Records tá na lista de leituras pra esse ano. Curadoria e conteúdos muito massa como sempre!
Conteúdo bom demais, pessoal. Adorei!