O que determina uma vitória no Grammy?
Os mecanismos não tão óbvios do maior prêmio da música.
Não viemos fofocar sobre os Grammys…
Se você conhece a 300noise, sabe que não vamos comentar sobre vencedores, injustiças, ou conteúdo memético sobre a maior (veja bem, a maior) premiação da indústria da música. Esse texto pretende mostrar um pouco das engrenagens do mercado e como uma equação de três fatores se transforma em um prêmio. E antes de mais nada, podemos pedir para você se inscrever em nosso substack? Nos ajuda demais!
A premiação norte-americana costuma ser referência para os profissionais do setor. Muitas vezes comparado aos Oscars da música, o Grammy tem um grande impacto midiático, impulsiona vendas e serve como armamento argumentativo em discussões entre fanbases de artistas do pop. E isso tem uma explicação bem simples. O Grammy é um prêmio de reconhecimento profissional através de profissionais. Ou seja, o artista está sendo reconhecido por outros artistas, produtores, engenheiros de gravação, compositores e outros tantos trabalhadores do universo criativo da indústria. Se um VMA esbanja debates sobre potencial comercial e idolatria virtual na base de voto aberto ao público, o Grammy entrega um resultado que, em tese, prioriza qualidade ao invés de quantidade.
Em tese...
1º fator: Artistas não são imunes a propaganda
Artistas votam em artistas, mas não apenas dentro do seu campo de conhecimento e atuação musical. Um músico gospel pode votar no melhor disco de metal sem ter conhecimento do estilo. Nesse caso, a popularidade estimula votos em algumas categorias, principalmente entre as gerais (álbum do ano, gravação do ano, etc.). E a influência de um produto popular pode também vir acompanhada de um elemento viral, como o caso de Not Like Us de Kendrick Lamar. A diss entre Drake e Kendrick não é apenas uma disputa artística, mas um projeto mercadológico que se beneficia da lógica de hiperexposição. Como Guy Debord observa em A Sociedade do Espetáculo (1967), “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.”
Espetacularizar uma briga, incluir camadas que funcionam como hipertextos (como o anel de 2Pac e os insiders na OVO), criar produtos de expectativa (como a apresentação na arena) — tudo isso é uma literal campanha para prender o ouvinte em teorias, consumo musical e posicionamento dentro de um nicho. Votar no Kendrick é posicionamento, claro, mas é também propaganda. Para o votante, é empolgante estar no papel de responsável por colocar mais uma peça no tabuleiro dessa epopeia.
2º fator: Quem manda na indústria da música?
Também não podemos nos esquecer que uma premiação é o ambiente perfeito para mandar recados. Sim, o poder do voto está atrelado à forma como um artista quer interpretar e interagir com o próprio mercado. E alguns recados são menos sutis que outros. Observar artistas multiplamente premiados é uma forma de enxergar o mercado de dentro, pelos olhos de quem faz parte dele. As gravadoras exercem um papel importante na construção de influência? Sim, mas não basta ser um queridinho da gravadora e ficar para trás nos movimentos mercadológicos da indústria. Lembre, não é difícil vermos artistas com críticas direcionadas às amarras e falta de comprometimento criativo que as gravadoras entregam.
Também não podemos nos esquecer de prêmios que funcionam como manutenção de status, focando na reafirmação. Artistas maiores que seu próprio campo de atuação, bandas que rompem seu nicho, ou já estão consagrados e operam como ‘lendas’ ou ‘mestres’, assim como Beatles e Rolling Stones, que ganharam categorias em 2025.
3º fator: A verdadeira pedra no sapato.
Talvez o ponto central dessa passada pelo Grammy. Para além da propaganda embutida e da influência de personas dentro do mercado, existe um fator que determina o resultado desse cálculo...
“…o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário o consumo”
Quem são os profissionais do mercado da música?
Quando pensamos nos artistas que votam na premiação, de quem estamos falando? Se lembramos de derrotas significativas, ou vitórias questionáveis, conseguimos entender o ponto. Se um estilo musical é estigmatizado, se determinados artistas são enclausurados em estilos musicais que não enxergam pertencer, como você imagina o mercado da música e seus profissionais? Ou melhor, como você enxerga a parte privilegiada desse mercado que vê sentido em participar dessa organização. Ou melhor, quem consegue vislumbrar uma indicação, conexões, networking, glamour, festas, turnês, etc. Existe uma insistência em apontar o sexismo, racismo e embranquecimento musical feito pelo Grammy. Essa é uma afirmação incompleta. Precisamos ser honestos e reconhecer que o problema não está no Grammy, mas na indústria em si. O mercado não é igual para todos. As chances não são as mesmas. Se olharmos para os números, para a segmentação de quem compõe a comunidade de votantes da Academia, vamos passar a enxergar esse recorte de profissionais com outros olhos. E sim, um recorte. Estamos falando de uma parcela da indústria, não se engane. Bom, como não temos acesso a estes números, podemos fazer o caminho inverso e supor a composição de membros através de estatuetas entregues.
E existem formas de trabalhar os vácuos existentes na premiação, claro. Existem formas de acompanhar dados do mercado e trabalhar justamente nas partes que mais divergem do recorte geral da indústria da música. Além disso, mecanismos de incentivo e profissionalização são necessários não só para contornar diferenças dentro da premiação, mas no circuito de festivais, catálogo de selos e gravadoras e na porcentagem de trabalhadores que conseguem viver exclusivamente de música.