Se você ainda não mergulhou no mundo intrigante e perturbador de Severance, a hora é agora. Esta série da Apple TV+, criada por Dan Erickson, é uma mistura fascinante de ficção científica, suspense psicológico e crítica social, tudo envolto em uma estética visual e sonora que prende o espectador desde o primeiro minuto. E a boa notícia? A segunda temporada já começou, com os primeiros episódios disponíveis e os demais sendo lançados semanalmente. Então, agora é um ótimo momento para maratonar a primeira temporada e se preparar para o que vem por aí.
A série acompanha os funcionários da misteriosa Lumon Industries, uma empresa que oferece um procedimento que separa completamente as memórias do trabalho das memórias pessoais. O resultado é uma narrativa que explora temas como identidade, liberdade e o preço que pagamos pelo equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Além dessas questões, outro incômodo presente nos episódios é o fato de que nem os expectadores nem os funcionários parecem saber o que de fato produzem em seu trabalho, apenas sabemos que é misterioso e importante.
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A trilha sonora:
A série merece destaque por inúmeros aspectos: elenco, cinematografia, direção de arte, animação da abertura, roteiro… Mas há um elemento que merece destaque especial: a trilha sonora, composta por Theodore Shapiro. Shapiro já havia trabalhado com Ben Stiller antes, por exemplo no longa “A Vida Secreta de Walter Mitty” no qual Stiller é o ator principal e o diretor, o que garante uma relação criativa muito única entre os dois. A música de Severance não é apenas um complemento; ela é parte integrante da atmosfera única da série. Shapiro conseguiu criar uma sonoridade que reflete perfeitamente o tom claustrofóbico e misterioso da trama. E isso foi reconhecido inclusive em premiações, Severance foi contemplada com o Emmy de 2022 de melhor trilha sonora em série.
No podcast oficial da série, apresentado pelo diretor e produtor executivo Ben Stiller e pelo ator principal Adam Scott, Theodore Shapiro comenta como foi o processo de desenvolvimento da trilha, cuja composição se iniciou antes mesmo das gravações. O compositor acredita que a existência da música nas etapas iniciais do processo criativo do diretor ajudou tanto na criação musical quanto no desenvolvimento da série, para ele a música evoluiu como uma parte integral do projeto. Scott lembra que quando começaram a gravar a primeira temporada, já existiam estudos e partes da trilha e que esses trechos eram tocados no set para os atores e para ele isso foi muito importante para entrar na atmosfera da história.
Outro ponto interessante sobre a criação do tema principal é que os estudos iniciais de Shapiro tinham uma sonoridade mais eletrônica, mas após notar que Stiller voltava sempre para uma parte específica com quatro acordes o compositor se sentou ao piano e tocou aquela sequência e o tom mudou completamente. Inicialmente as conversas acerca da música giravam em torno de uma dualidade de sons entre a persona do trabalho e a da vida pessoal dos personagens, mas após essa mudança de tom com o piano, o som se tornou um só com a ideia de que a história toda seria um grande quebra-cabeça.
Aviso de spoilers:
Existem algumas curiosidades musicais que contém spoilers da série e trataremos delas a seguir. Se você ainda não assistiu todos os episódios lançados até então, assista primeiro, antes de ler.
Uma curiosidade muito intrigante é sobre o personagem Irving, interpretado pelo brilhante John Turturro. Em uma entrevista para Slash Film, Shapiro conta que existe um Easter Egg musical em Irving. Quando vemos Irv tendo alucinações com uma substância escura se espalhando por sua estação de trabalho ouvimos um som misterioso e posteriormente descobrimos que essas alucinações se revelam como o trabalho de pintura de seu outie (apelido da série para a persona pessoal dos personagens). Na cena que mostra Turturro criando pinturas, ele está escutando “Ace of Spades” da banda Motörhead, e o Easter Egg de Shapiro foi utilizar essa mesma música para criar o som que acompanha as alucinações de Irv. O que o compositor fez para atingir esse resultado foi desacelerar a música e tocá-la na mesma linguagem do restante da trilha.
Para além da trilha sonora original, a série traz também uma curadoria muito especial de músicas preexistentes que despertaram emoções nos espectadores. Alguns exemplos são, além de Motörhead, Stone Roses, The Who, I Monster, Billie Holliday, Metallica e Tom Jobim.
Durante a primeira temporada, vemos um momento musical dentro da vida profissional dos personagens na cena em que Helly R. é contemplada com uma “Music Dance Experience” e pode escolher um tema e um instrumento musical, as escolhas são Defiant Jazz e maracas. Essa cena traz uma faixa do saxofonista Joe McPhee inserida de forma bastante complexa, pois apesar de se tratar de uma “festa” com música, dança e luzes coloridas, a atmosfera é de apreensão e desconfiança entre os funcionários e o Sr. Milchick, interpretado por Tramell Tillman.
Na segunda temporada, alguns fãs perceberam que existe uma mensagem sendo passada por meio de um som específico na série, o som do elevador que leva os personagens da memória pessoal para a profissional e vice-versa. Ao analisarem as notas tocadas na transição de outie para innie, os fãs começaram a conjecturar que uma mudança nessas notas no retorno da personagem Helly R. ao escritório poderia indicar que ela na realidade seria sua outie mesmo passando pelo elevador. E essa teoria sobre a personagem é de fato confirmada no episódio 4 da segunda temporada.
O episódio 4 da nova temporada conta também com um momento marcado por música, comentado também no podcast oficial da série. Durante a cena em que o Sr. Milchick conta histórias mirabolantes do fundador da Lumon, a Srta. Huang, interpretada por Sarah Bock, o acompanha tocando uma música misteriosa em um theremin. Theodore compôs a música que a Srta. Huang toca na cena utilizando um instrumento que se chama ondas Martenot e que tem um som similar ao do theremin. O compositor diz que não é muito bom nesses instrumentos e que eles são muito difíceis de tocar e que então por ser uma composição mais simples ele acreditou que funcionaria para a cena. Mostrando ainda mais o quanto todas as pessoas envolvidas na série são dedicadas ao processo, Sarah Bock aprendeu como tocar o theremin para esse episódio, o que garantiu uma naturalidade maior para a cena.
+ enredo + mistérios + música
Com a segunda temporada de Severance já em andamento desde o início de janeiro, agora é o momento ideal para revisitar a primeira temporada e se deixar envolver por sua narrativa complexa e sua trilha sonora hipnotizante. A série não apenas entretém, mas também provoca reflexões profundas sobre quem somos e o que estamos dispostos a sacrificar em nome do conforto e da conveniência.
E, claro, quando você assistir, preste atenção à música. A trilha sonora de Theodore Shapiro é uma personagem por si só, elevando Severance a um patamar ainda mais alto de excelência artística. Não perca essa experiência única – tanto visual quanto auditiva.
Severance está disponível na Apple TV+ (mas não só lá, rs). Prepare-se para mergulhar em um mundo onde nada é o que parece, e cada nota musical é parte de um quebra-cabeça maior. A segunda temporada já está no ar, então aproveite para se atualizar e se preparar para mais reviravoltas e mistérios.
E vamos de links:
https://www.vulture.com/article/how-severance-filmed-defiant-jazz-dance-sequence.html