Você flerta usando playlists?
Do status do MSN ao Match Musical do Spotify, tudo tem um propósito
Desde os tempos mais remotos em que colocar uma música no status do MSN podia significar uma vasta gama de mensagens decodificadas, como um coração partido, uma traição consumada e, claro, uma paquera bem planejada, o ser humano está usando a música para se relacionar afetivamente com o outro (e se relacionar odiosamente também, claro).
Fato é que os signos virtuais do MSN se transformaram e a música aparece como ferramenta de comunicação em diversos lugares, nas mais diversas formas. Pode ser um estático nos stories, uma trilha sonora para reels, ou até mesmo uma amostra da sua identidade — ou da não-identidade — nos aplicativos de relacionamento.
Foi esse o mote da nossa pesquisa, “O Amor Está no Som?”, que saiu no ano passado e está disponível em nosso site para você acessar, ler, compartilhar com colegas de firma e até mesmo usar naquele PPT para convencer o cliente de que o seu projeto faz sentido.
Aproveitando o gancho, não podemos deixar de sugerir que você apoie nosso trabalho com um valor simbólico, afinal, a 300noise segue fazendo pesquisas por conta própria e sem patrocinadores (e isso demanda um BAITA trabalho).
E você também pode nos contratar para fazer uma pesquisa particular, claro. Enfim, ajude a 300noise continuar difundindo conteúdo de qualidade sobre música e cultura aqui:
O Amor também faz parte do algoritmo
Quando entregamos nossos dados para as gigantes da tecnologia estamos também abrindo nossos frágeis e confusos corações através do cruzamento de dados e de preferências na hora de cutucar as telas de nossos celulares com os polegares. As redes fizeram com que as pessoas aderissem a dinâmica dos programas de namoro através de uma roleta infinita de humanos milimetricamente catalogados por dados.
Uma foto, uma bio, um gosto musical em comum: os temas são diversos, mas é importante saber que a música está embutida nessa empreitada. Nem sempre por mostrar um artista em comum, mas por conectar o gosto musical com outras dinâmicas sociais. Lugares que a pessoa frequenta, círculo social, ócio, etc.
Se usamos a música neste contexto, não espere que as plataformas não tenham entendido isso.
Na dinâmica do amor sendo um produto a ser vendido, a música tem poder de barganha e identificação.
Os recursos que colocam a música como ferramenta de conexão, ou de match, também acabam consolidando um viés mercadológico para o mercado explorar. Para exemplificar, vamos analisar o Match Musical do Spotify que reúne gostos em comum entre dois usuários distintos para criar uma playlist capaz de personalizar relações e afastar um ‘outro’.
Prato cheio para quem gosta de aplicar análises do sul-coreano (mas que escreve e dá aulas em alemão) Byung-Chul Han. E, claro, muitos já estão saturados desse filósofo pelo uso excessivo de seu livro Sociedade do Cansaço em praticamente toda publicação que aborda pós-modernidade e redes sociais.
Mas fica aqui uma dica de outro livro dele, Agonia de Eros, e o foco exatamente no tema que estamos trabalhando, a cupidez.
A relação entre a música e o flerte é geracional
É esperado que indivíduos que cresceram dentro da dinâmica virtual estejam mais conectados com a música dentro das plataformas, afinal, conheceram canções em formato MP3, descobriram artistas por links e adquiriram álbuns através de downloads.
O caminho natural para jovens da Gen Z é o da multiplataformização, não sendo intuitivo categorizar coisas, mas sim fazer um mix de todas elas. Dessa forma, é difícil que essa juventude estacione em um só lugar, mas que siga vários fluxos de conteúdos e de gostos. É uma geração que mostra tudo que pode ser para referenciar aquilo que não é.
Atrai a si mesmo e expulsa o outro (novamente puxando Byung-Chul Han para a conversa). E da mesma maneira que a música se faz presente e opera com importância, também transmite a banalização das relações humanas mediadas pelo virtual (cabe um Bauman nesse texto?). Afinal, a música sendo ponte para a construção do eu, mira no reflexo de Narciso nas águas do rio. A velocidade e efemeridade virtual vai moldando os gostos e exaurindo nossa identidade com rapidez.
Vale deixar aqui duas matérias interessantes sobre comportamentos acerca da “revelação” de um namoro, uma ficada ‘mais séria’, ou até mesmo um término.
A primeira vai tratar do ‘soft-launch’ que é aquele processo de ir mostrando aos poucos o seu par nos stories. Uma foto borrada, uma mão segurando uma xicara de café, 25% de um rosto, enfim, você já imagina do que se trata.
A segunda é o ‘no-launch’ onde a pessoa simplesmente não posta nada sobre seu par nas redes sociais. Nadinha. Nada. Uma crítica direta a cultura da hiperexposição? Uma estética comportamental derivada de influenciadores? Um cadeado na vulnerabilidade sentimental? Bom, vale a leitura!
Marcas exploram a relação entre a música e os sentimentos
Em alguns casos, marcas utilizam a publicidade da maneira mais sem graça possível para tentar engajar consumidores através da música. Estamos fartos de ativações genéricas em festivais; até porque parece que as empresas nem fazem questão de esconder que não entendem nada sobre o que estão tentando oferecer.
Em outra instância, existem formas muito mais interessantes de abordar a música dentro de um contexto publicitário e entregar um conteúdo que dialoga com o indivíduo.
No último final de semana, a Heineken entregou quatro ambientes diferentes no Edifício Misericórdia. O Single Night Bar foi uma ação que se pautou justamente na carga simbólica da música inserida em ambientes distintos, convidando o consumidor a ‘dar um match’ com o andar perfeito para ele (isso tudo para panfletar o app da marca, o Hei).
Seja no espaço do Bar Alto com programação de música ao vivo, no andar do listening bar do Matiz, na festa indie do andar da casa Rockambole ou no andar eletrônico comandado pela Heavy House.
Ambientes distintos, sonoridades distintas e posicionamentos distintos para uma identificação mais personalista. É sobre vender cerveja? Sim, mas utilizando a música de uma forma bem inteligente e compreendendo que ela faz parte de um sistema multimídia que conversa com indivíduos em busca de conexões. Assim como o Match do Spotify, a música na bio do Tinder e a música que ficava em nosso MSN para chamar atenção daquela pessoa em específico.
Na ação da Heineken, a música é parte integral da maneira como o indivíduo performa sua socialização e escolhe ambientes e a preferência por banda x ou artista y fica em segundo plano perante o resto, o que vale é a parte simbólica (tarde demais para colocar semiótica nessa conversa).
Transitamos entre artistas, nichos e identidades com uma velocidade que é difícil de acompanhar. A música está inserida nesse contexto, claro. E se você quiser entender mais sobre isso, recomendamos a leitura da nossa pesquisa. Também pedimos humildemente que apoie nosso conteúdo através de uma assinatura. Por fim, temos a caixa de comentários para ampliar essa discussão!