Newsletter da 300Noise #6 - junho da crise
um mês de profundas reflexões acerca do caminho do mundo
Depois de um maio da positividade, seria natural que tivéssemos um junho de crise. Este mês, marcado na memória brasileira desde as marchas de junho de 2013, é um momento de refletir sobre, pois é, o que estamos fazendo?
Estamos rabugentos? Estamos maravilhados? Estamos apenas vivendo em um ciclo de hedonismo? E o novo da Lorde, hein? O mundo está prestes a acabar com um conflito nuclear? O disco da Addison Rae é bom mesmo ou só hype? Todas essas perguntas fizeram parte do nosso junho, maravilhoso junho, que chegou ao fim nesta segunda-feira (30).
Em meio a tantas crises, propomos uma newsletter que se aprofunda na crise e tenta entendê-la. como vocês sabem, pensar custa caríssimo (!) e por isso pedimos seu apoio à nossa Substack:
A crise do cool
Não faz muito tempo que a grande tendência do mercado de serviços foi “resolver” problemas através de soluções que não somente diziam algo sobre o mundo, mas também sobre o consumidor. Foi o caso do Airbnb — uma alternativa que se vendia como experiência mais true de turismo do que ficar no hotel — ou do Spotify — além de salvar o mundo da pirataria, era tecnológico e moderno — ou de casos menos bem sucedidos como a paleta mexicana — que era um sorvete, parte 2 — ou etc.
A era das tendências que foi os anos 2010 teve uma miríade de desdobramentos na cultura e no consumo, mas uma das mais significativas e que tem sido objetivo de nossa reflexão é a questão do dilema mainstream vs. alternativo. E há anos ouvíamos que o mundo caminharia para uma tendência de nichificação da cultura, com sectos ou bolhas cada vez mais isoladas entre si.
Por natureza, como foi nos últimos séculos, os alternativos, que questionam o establishment, tornariam-se os trendsetters nas artes, na música, na moda, na vida social.
Porém, uma mágica eficaz do fetiche fez com que as tendências todas da década passada se transformassem em mercados e rapidamente se tornassem, de alguma maneira, algozes de seus criadores. Assim como os yuppies dos anos 1980, a geração de millenials é repleta de pessoas que tiveram ideias que pareciam alternativas e se tornaram simplesmente mercados hoje odiados, como é o caso de Spotify e Airbnb. Mas isso também se refere, por exemplo, à gentrificação das grandes cidades: ao mesmo tempo que é bacanérrimo que a Santa Cecília ou que Santa Teresa tenham se tornados mecas dos artistas e publicitários, o custo social torna tudo cursed.
A questão que se põe agora para a geração que vai envelhecendo vai além da mera crise existencial da meia idade (termo que afeta profundamente algumas pessoas), mas também uma própria crise do que é ser alternativo: é possível viver experiências autênticas nas grandes cidades do Brasil sem que isso envolva uma síndrome de impostor?
Por outro lado, a própria busca pelo autêntico de verdade, pelo raíz, acaba morrendo. Na era das tendências, isto inevitavelmente tem que se tornar um vídeo bacanudo do TikTok, para onde a horda de viciados em experiências autênticas acabam se enfiando. E o ciclo segue.
Tá: mas cadê a música? Pois então: o ciclo do mercado musical não me parece afetado por este movimento, mas o ciclo do mercado de eventos pode ser um caso a se analisar por este prisma.
Temos dito há tempos que os festivais pequenos, descentralizados e até de médio porte podem ser uma alternativa interessante e frutífera por conseguirem conectar não somente artistas e público, mas marcas e público também. E isso não significa nem ser mainstream, nem alternativo, e talvez o debate não seja sobre isso: seja sobre a efemeridade da autenticidade, algo tão raro, mas tão valioso nos dias de hoje.
Addison Rae e a busca pelo after nas ruínas do capitalismo
Algo está acontecendo na terra da liberdade e nessa altura do campeonato você já deve estar ciente. Não é só a política externa dos Estados Unidos que preocupa, mas seus problemas domésticos levaram milhares para as ruas de Los Angeles nas últimas semanas. O processo de uma crise, seja política, econômica ou social é complexo e aflora processos criativos e a forma como interpretamos eles.
No começo do ano falamos sobre a hauntologia no mainstream e como enxergamos que a música pop poderia responder aos cenários catastróficos e futuros desesperançosos através do escapismo, de um hedonismo que vai muito além de dançar enquanto o mundo acaba.
Addison nasceu no interior da Louisiana e estourou na internet através de vídeos de dança no Tik Tok (e não, isso não é uma simplificação, ela realmente viralizou dançando). Sua trajetória remonta um combo de clichês dignos de filme da Disney: a garota comum do interior que conquistou a fama através de sua espontaneidade. A líder de torcida que ganhou coreografias assistidas por milhões. O American Digital Dream das plataformas meritocráticas.
Em seu disco de estreia, a cantora não só aplica a lógica de sua trajetória de influencer, mas utiliza o supérfluo como força motriz de sua identidade. Um diálogo hedonista com a própria efemeridade da fama dentro das redes sociais e do questionamento central: quanto tempo dura um viral? Ou melhor, quanto dura um hit? Ou, em uma máxima, quanto tempo dura uma carreira?
A incerteza do futuro, ou a prévia do pior cenário se materializando, é o suficiente para que o debate esteja sendo feito em torno do medo de perder algo que está acontecendo (FOMO) e, por consequência, a preocupação imediata de uma geração que precisa estar no aqui e no agora, porque não há algo indicando o ‘ali’ e o ‘depois’. Só resta o sentimento de ‘gonna dance, gonna dance till the wheels fall off You know I can't get enough’.
Por outro lado, é impossível desgrudar esse disco da construção da cultura pop, nostalgiando referências de distintas gerações (como Madonna, Gaga e Lana) e se colocando como produto direto desse processo. Addison está mais interessada em falar da história do que fazer parte dela, afinal, a temporalidade já não está em pauta, mas sim as múltiplas possibilidades de materializar a vida presente. Dinheiro, fama, viagens, luxo, baladas.
O disco passeia por zonas de escape e todas elas estão no mundo material. A artista dialoga constantemente com o pensamento de criar e viver o mundo através da lógica de sua destruição. O dinheiro não vai junto no caixão, como costumam dizer. So I put my headphones on.
Saia do celular e…
Vá ler alguma coisa:
Como esta baita matéria da It's Nice That sobre o Metals, um estúdio de design e direção que está trabalhando várias inovações visuais da indústria musical e trampado com figuras como Sabrina Carpenter, FKA Twigs, Ethel Cain, 2Hollis, 070 Shake e Sega Bodega.
Ver um filme
Kneecap (2024), de Rich Peppiatt, conta a ascensão do grupo de hip-hop Kneecap, que tem sido alvo de perseguição na Inglaterra por seu posicionamento pró-Palestina. Os moleques de Belfast, na Irlanda do Norte, fazem um som foda e não têm medo de nada. Aliás, falando em Irlanda, você já escutou o nosso podcast Ruído Global? Temos um episódio sobre música na ilha colonizada pelos britânicos.
Ouvir ‘Um Guia para entrar no ritmo da Cumbia’, playlist da 300Noise em parceria com o Sol y Sombra:
Comprar um merch
Foi mal a publi, precisamos pagar as contas e olha que curioso, temos roupitchas maravilhosas em queima de estoque da última coleção porque logo mais vem a próxima (sem spoilers).
Dá uma olhada na nossa lojinha. Tem produtos com até 42% off, como dizem os shoppings.
Ouvir um som
Frankie and the Witch Fingers – Trash Classic
Um disco divertido para aqueles que ousam rotular algo como art punk. Uma pegada dançante, energética e robótica, no bom sentido. Disco para fãs de Death From Above e derivados.
Replay – Da Lama ao Caos
Tem disco que ganha uma blindagem contra versões e releituras. A pedra fundamental do manguebeat, Da Lama ao Caos, é um desses monolitos. Apresentar novas vozes e versões é algo que vai gerar debate e torcer narizes de pessoas que nem ousaram dar o play. Isso não é problema para o projeto Replay que já trouxe uma releitura do Acabou Chorare. Vai ouvir que a gente quer saber sua opinião.
Erika de Casier – Lifetime
A diva do R&B contemporâneo volta a entregar aquilo que melhor sabe fazer: música lentinha para ficar de chamego com o amorzinho. Fortemente influenciada pelos anos 1990, Erika agora experimenta toques de trip-hop e texturas ambientes para temperar seu delicioso Soul/R&B. Talvez as composições não saltem aos ouvidos de muita gente, pois as canções são simples, mas recheadas de ótimas melodias e momentos "alternativos". Uma linha tênue entre ousar (um pouquinho) sem ser conservadora demais.
Honningbarna – Soft Spot
A mistura perfeita entre noise rock e post-hardcore. Caos em forma de notas e ritmos, vindo do sétimo círculo do inferno gelado (que, no fim das contas, é a Noruega). Duvido que alguém ouça e não mexa um músculo sequer, nem sinta um impulso de quebrar uma vidraça com o próprio corpo. Você não entenderá uma palavra do álbum, mas o que vale é a sensação.
The Callous Daoboys – I Don’t Want to See You in Heaven
Não se desesperem: o legado do Dillinger Escape Plan mantém-se vivo com o novo trabalho do Callous Daoboys. É absurdo o que fizeram aqui – a dinâmica dos riffs caóticos em contraste com refrões grudentos, letras completamente malucas, o senso de humor, o peso da produção e, acima de tudo, a criatividade e energia presentes em todas as faixas. A audição é extremamente divertida; a sensação de nunca saber para onde a música vai torna tudo mais prazeroso. Pode ser caótico para quem não está acostumado, mas, mesmo para quem não curte muito esse estilo, vale a tentativa. Um marco para o math/metal/post-core.
Little Simz – Lotus
Ela não decepciona. "Intenso" e "diverso" são adjetivos que ajudam a entender um pouco a proposta do álbum, mas o mais impressionante é a consistência de sua discografia. Musicalmente, ela flerta com gêneros que já explorou em sua carreira – afrobeat, soul, jazz e até rock –, mantendo sempre o ritmo e a poesia como base. O álbum está repleto de ótimas faixas, das mais agitadas às mais introspectivas, além de participações que trazem um tempero extra às composições. Talvez não seja o trabalho mais empolgante, mas é inegável a qualidade: há muita profundidade nas letras, especialmente porque a produção vocal ficou impecável, assim como os belos arranjos espalhados pelo disco.
Turnsile - Never Enough
S.A.C. da 300Noise:
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Queremos o mês da negatividade!
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Façam um post com os melhores lançamentos do ano até o momento, preciso ouvir coisas novas.
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Rick Rubin: imbecil ou mentiroso?
R: a resposta está aqui.
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achei esse texto maravilhoso. apenas. a parte sobre a addison é puro ouro.