Seja no rock, punk, pop ou até no rap, por trás de muitos dos álbuns de grande sucesso internacional das últimas quatro décadas tiveram direta ou indiretamente as mãos de Rick Rubin envolvidas na sua produção. E mesmo com certo anonimato, é impossível não reconhecer que ele é uma das personalidades mais importantes e estranhas da música contemporânea.
Sua história começou com a criação da Def Jam Records em meados de 1980, responsável por lançamentos importantes na popularização do Rap e Hip Hop nos EUA. Em seguida, trocando Nova York por Los Angeles, criou a American Records e passou a trabalhar com diversos nomes do pop, country, rock e metal. São muitos álbuns como produtor (musical ou executivo) e dezenas de sucessos da música.

Não faltam vídeos e entrevistas sobre suas participações na produção desses diversos clássicos. Uma das suas mais famosas frases “não tenho habilidade técnica e não sei nada sobre música (...) Eu sei o que eu gosto e o que eu não gosto, e eu sou decisivo sobre o que gosto e não gosto” é sempre citada para demonstrar sua personalidade extravagante e seus métodos “fora da casinha” que, misturados com seu visual estranho, ajudam a criar essa ideia de um guru da música.
O seu livro “O Ato Criativo: Uma Forma de Ser” (2023) talvez seja um dos exemplos mais interessantes dessa figura meio contraditória de Rick Rubin. Apesar de trazer ideias interessantes para pensar a criatividade dentro do trabalho artístico, o livro também deixa muito claro que Rubin muitas vezes quer vender uma imagem de um coach místico incompatível com sua trajetória.
O ponto não é criticar o livro ou diretamente a experiência e sucesso de Rick Rubin, ele é um dos gigantes da indústria da música. Mas é importante se perguntar: se você não sabe nada sobre nada, por que alguém deveria te dar ouvidos? Como que você conseguiu todo esse sucesso sem saber de nada, e mais importante, sem aprender nada? A verdade é que Rick Rubin é um imbecil ou um mentiroso.
O grande merchan feito por Rick Rubin em seu livro, ou em entrevstas é que existiria uma “forma de ser criativa”, de ser e de se viver. Além de exercícios de autoconhecimento e autopercepção que seriam capazes de alterar a forma como as pessoas fazem música. O autor, produtor e guru coloca o ethos sob um prisma cosmológico que se apoia em forças da natureza, pureza e energia.
“Good habits create good art. The way we do anything is the way we do everything. Treat each choice you make, each action you take, each word you speak with skillful care. The goal is to live your life in the service of art” - Rick Rubin
Exercitar nossa percepção sobre a arte obviamente pode ajudar em alguma produção artística. Muitos artistas buscam inspirações em diversas fontes, nada disso é novo e nada disso é uma acusação contra Rick Rubin. Mas é impossível negar que: isso não é o suficiente para se fazer uma música interessante, quanto mais uma música de sucesso.
Uma das coisas mais importantes do processo criativo e da produção artística fica de fora deste processo: a materialidade. Rubin foi um dos produtores mais bem sucedidos no meio da música também pelo seu acesso aos meios e materiais necessários para levar a frente suas ideias, seja artistas, técnicos de mixagem e de masterização, estúdios e equipamentos, referências e educação, etc. Dizer que não sabe nada sobre arte, que basta ser criativo, é fácil quando se está munido do que há de melhor para se fazer arte.
(O estúdio Shangri La, local histórico da música, comprado por Rick Rubin em 2011).
Há uma postura comum entre essas personalidades criativas, em especial aquelas vindas, ou baseadas na Califórnia, que tenta se colocar enquanto um elemento neutro, que não se importa sobre como o mundo funciona, ou como é o processo material de se criar algum tipo de arte, mas que defende que o autoconhecimento é o suficiente para se fazer alguma coisa. Algo está faltando nesta explicação.
Pouco tempo depois do lançamento de seu livro, voltou à internet uma discussão sobre o fato de Rick Rubin continuar compartilhando artigos e opiniões da extrema direita americana. Porém esse fato não é tão recente e nem algo discreto.
Mais recentemente Rubin fez um comentário bizarro sobre as inteligências artificiais, tentando comparar a estética do punk, que democratizou a música em sua visão, com a inteligência artificial generativa.
Para ele, não importa como funciona a inteligência artificial generativa, seu impacto no meio ambiente, sua relação com o roubo da criação de milhões de artistas, ou o seu impacto nas plataformas de streaming. O que importa é como essa tecnologia supostamente influencia o artista individualmente. O punk, para Rubin, não é sobre ideologia, sobre movimento social e sobre atitude frente a sociedade atual, mas sobre acordes simples.
Os comentários de Rick Rubin sobre música são interessantes, mas, em mais vezes do que os veículos estão dispostos à dizer, ele deixa a parte mais importante maquiada com muitas frases e ideias que não significam nada. Rick Rubin é uma figura difícil de se entender, mas é muito óbvio que ele não é um imbecil.
muito bom o texto! quando li “o ato criativo” fiquei muito pensativa; embora haja muitas reflexões e associações pertinentes que acredito valer a pena colocar em questão enquanto músico/produtor/artista, teve muita coisa que eu só conseguia ficar “??”.
fico um pouco embasbacada no conforto que ele sente em declarar que “não sabe nada com nada de música” e não ser tachado de incompetente mas sim de gênio. é, ao meu ver, também um reflexo de como ele é enquanto indivíduo e as ideias que ele defende e representa.
parabéns pela matéria!